No mundo atual, onde a exposição é constante, sobretudo em razão da internet e das redes sociais, é importante ficar atento aos casos de uso indevido de imagem. Se o simples ato de divulgar-se na rede mundial de computares não autoriza a utilização irrestrita daquilo que foi postado, muito menos quando a imagem é publicizada sem que seu dono sequer tome conhecimento.
Como se verá a adiante, a imagem é um atributo que compõe a personalidade do ser humano, de modo que possui valor inestimável para o ordenamento jurídico brasileiro. Para entender o assunto a fundo, portanto, é necessário compreender, primeiramente, o que se considera direito de imagem, o que configura seu uso indevido e, ao final, saber como coibir e reparar os danos decorrentes.
Ao contrário do que a maioria das pessoas tende a achar, a imagem não é apenas aquilo que vemos ao nos posicionarmos na frente do espelho. Esta é o que a doutrina[1] convencionou chamar de “imagem-retrato”. Existe, ainda, a denominada “imagem-atributo”, que é, em linhas gerais, a forma pela qual o indivíduo é visto ou reconhecido pela sociedade, ou seja, a exteriorização de sua personalidade.
Para tornar clara essa distinção, usemos um exemplo hipotético envolvendo o apresentador Sílvio Santos. A reprodução de simples fotografias de sua face diz respeito à sua imagem-retrato. Por outro lado, a divulgação de notícia falsa que afirma que o empresário emprega mão de obra escrava em sua emissora de televisão atinge a sua imagem-atributo, uma vez que o prejuízo concentra-se no conceito que o sujeito goza perante a coletividade.
A imagem desfruta de tamanha relevância no ordenamento jurídico do Brasil que a sua proteção possui status de direito fundamental expressamente previsto na Constituição Federal. Senão, vejamos:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[…]
V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
[…]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
XXVIII – são assegurados, nos termos da lei:
- a) a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas;
[…]
Simplificando o texto da Carta Magna, os juristas[2] resumem a disciplina constitucional da imagem acima transcrita a três pontos:
- A imagem é inviolável, de maneira que a sua violação enseja a reparação pelos danos morais e materiais decorrentes;
- Além da indenização pelo dano à imagem, o prejudicado também dispõe do direito de resposta proporcional ao agravo;
- A reprodução da imagem também é protegida, de modo que a sua reiteração indiscriminada não é admitida.
O direito à imagem também é enquadrado na categoria de direitos de personalidade, segundo indica o próprio Código Civil, ao tratá-lo no capítulo II do título I, e a doutrina especializada[3].
O Diploma Civilista confere as seguintes características aos direitos de personalidade:
Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
Ao comentar o artigo, autores civilistas[4] explicam que os direitos de personalidade são, dentre outras características:
- Indisponíveis, pois são intransmissíveis, irrenunciáveis e insuscetíveis de limitação voluntária[5]. Em outras palavras, o titular do direito não pode abrir mão do direito, ou seja, “abandoná-lo”, nem pode cedê-lo gratuita ou onerosamente a outra pessoa, pelo menos não de maneira permanente ou geral[6];
- Extrapatrimoniais, ou seja, não dispõem de conteúdo patrimonial objetivamente aferível;
- Absolutos, isto é, oponíveis a todos (erga omnes), visto que à sociedade é imposto o dever de respeitá-los;
- Imprescritíveis, no sentido de que não existe um prazo para que sejam exercidos;
- Vitalícios, uma vez que, desde o nascimento até a morte[7], o sujeito pode usufruí-los;
- Impenhoráveis, ou seja, não podem ser alvos de constrição patrimonial, mesmo porque, como já dito, não possuem conteúdo econômico passível de precificação.
Nesse ponto, é importante destacar que tal espécie de direitos não é patrimônio exclusivo das pessoas físicas. As pessoas jurídicas também gozam da proteção dos direitos de personalidade, naquilo que couber, de acordo com o art. 52 do Código Civil, de modo que a sua violação pode ensejar, inclusive, danos morais[8].
Até agora, já sabemos que imagem, para o Direito, não é meramente aquilo que o que espelho reflete, bem como compreendemos que se trata de um direito de relevância jurídica ímpar, uma vez que se enquadra tanto como um direito fundamental como um direito de personalidade. Mas como perceber que a nossa imagem está sendo utilizada indevidamente?
O que caracteriza o uso indevido de imagem?
Na busca por identificar o que define utilização imprópria de imagem, o Código Civil nos traz valorosas pistas:
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Pela leitura do dispositivo acima reproduzido, não é difícil compreender que a lei civil tem por indevido o uso de imagem que:
- Fere a honra, boa fama ou a respeitabilidade da pessoa; ou
- Destina-se a fins comerciais.
Exemplificando a segunda circunstância, temos o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ):
RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO DE IMAGEM. ÁLBUM DE FIGURINHAS. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DE JOGADOR DE FUTEBOL NO USO DE SUA IMAGEM. AÇÃO INDENIZATÓRIA PROCEDENTE. A exploração não autorizada da imagem de jogador de futebol em álbum de figurinhas, publicado com intuito comercial, constitui prática ilícita, que enseja reparação do dano. Impossível a fixação do valor do dano diretamente por esta Corte, à vista da ausência, na petição inicial e na contrariedade, nem, ainda, na sentença e no Acórdão, de valor ou critério precisos, de modo que inviável o uso da faculdade do art. 257 do RISTJ, remetendo-se, pois, a fixação do valor à liquidação por arbitramento. Recurso Especial provido.
(STJ – REsp 1219197/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/10/2011, DJe 17/10/2011)
Embora o art. 20, aparentemente, estabeleça que há apenas duas hipóteses em que a utilização da imagem é inadequada, a doutrina[9] ressalta que a Justiça não pode virar as costas para as situações em que o indivíduo simplesmente não deseja que haja a veiculação de sua imagem, ainda que sem objetivos comerciais ou sem prejuízos à sua honra, boa fama e respeitabilidade.
Aliás, os tribunais, por meio de sua jurisprudência, dão sinais de que o entendimento predominante é de que, realmente, é prescindível o caráter comercial (STJ, REsp nº 299.832/RJ) ou o ataque honra, boa fama ou a respeitabilidade do sujeito (Informativo nº 454 do STJ) para que reste configurado o uso indevido de imagem, sendo suficiente a sua não autorização.
Ainda, segundo alertam renomados juristas[10], a mera captação da imagem contra a vontade do indivíduo já poderia caracterizar um ato ilícito, indenizável, portanto.
Por outro lado, a eventual inadequação do uso da imagem cai por terra em duas situações:
- Quando a própria pessoa autoriza;
- Quando é necessário à administração ou à manutenção da ordem pública.
Um claro exemplo da segunda hipótese é aquele em que um indivíduo condenado criminalmente, mas foragido, tem sua imagem veiculada em vários meios de comunicação com o intuito de que seja localizado o seu paradeiro.
Ademais, as cortes brasileiras, ao interpretar a regra em análise, extraem outras circunstâncias, não expressamente prevista em lei, em que não há falar em inadequação do uso de imagem, ainda que sem autorização do indivíduo. São situações geralmente em que o direito de personalidade deve ser confrontado com a liberdade de imprensa e a de expressão. Senão, vejamos:
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. DIREITOS DA PERSONALIDADE. DIREITO À IMAGEM. DIVULGAÇÃO, EM JORNAL, DE FOTOGRAFIA DE PESSOA SEM SUA AUTORIZAÇÃO. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA 403/STJ. DIVULGAÇÃO QUE NÃO TEVE FINALIDADE ECONÔMICA OU COMERCIAL, MAS INFORMATIVA. AUTOR FOTOGRAFADO EM PARQUE PÚBLICO EM MEIO A MANIFESTAÇÃO POLÍTICA. 1. A divulgação de fotografia em periódico, tanto em sua versão física como digital, para ilustrar matéria acerca de manifestação popular de cunho político-ideológico ocorrida em local público não tem intuito econômico ou comercial, mas tão-somente informativo, ainda que se trate de sociedade empresária. Inaplicabilidade da Súmula 403/STJ. 2. Não viola o direito de imagem a veiculação de fotografia de pessoa participando de manifestação pública, inclusive empunhando cartazes, em local público, sendo dispensável a prévia autorização do fotografado, sob pena de inviabilizar o exercício da liberdade de imprensa. 3. Interpretação sistemática e teleológica do disposto no art. 20 do Código Civil. 4. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
(STJ – REsp 1449082/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 21/03/2017, DJe 27/03/2017)
Pela análise do julgado do STJ, percebemos que a liberdade de imprensa se sobrepôs ao fato de que não houve autorização para divulgação da imagem. Contudo, o afastamento da eventual ilicitude só foi possível em decorrência das seguintes circunstâncias:
- Finalidade meramente informativa da divulgação, e não comercial ou econômica;
- Imagem capturada durante manifestação pública, em local público.
Nesse ponto, é fundamental mencionar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.815, mais como conhecida como ADI das biografias não autorizadas. Nesse importante julgado, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que é dispensável a autorização da pessoa biografada para a elaboração obras biográficas literárias ou audiovisuais, uma vez que, do contrário, estaria admitindo-se a possibilidade de censura prévia particular.
Mais uma vez, é possível notar uma tendência a privilegiar a liberdade de expressão, conjugada com o direito de informação, no qual se incluem a liberdade de informar, de se informar e de ser informado, quando confrontada com a garantia de inviolabilidade do direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem, observados sempre os limites da proporcionalidade e da razoabilidade.
Entretanto, é importante pontuar que a liberdade de expressão não pode ser usada como um permissivo para denigrir a imagem de qualquer pessoa. Em caso de efetiva violação, a própria Constituição, bem como o Código Civil, asseguram a reparação de danos e o direito de resposta.
Dessa maneira, o exposto nesse tópico já nos autoriza a afirmar o que configura ou não o uso indevido de imagem. Porém, isso não suficiente, tendo em vista que devemos saber como agir diante da concreta inobservância do mencionado direito de personalidade.
Como coibir o uso indevido de imagem e reparar os danos decorrentes?
O art. 20 do Código Civil, que foi acima transcrito, confere ao lesado o poder de exigir que o uso da imagem seja interrompido, bem como garante a reparação dos prejuízos materiais e/ou morais experimentados.
No tocante à utilização imprópria da imagem com finalidade comercial ou econômica, convém salientar duas peculiaridades. Primeiramente, nesse caso, o autor da demanda não precisa produzir prova do agravo moral sofrido, uma vez que este é presumido (in re ipsa), conforme dispõe entendimento sumulado do STJ:
Súmula 403 – Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.
Nesse contexto, basta que o demandante demonstre o uso indevido de usa imagem pelo réu para que tenha direito à reparação do prejuízo.
Em segundo lugar, o promovente, além da reparação dos prejuízos morais e/ou materiais, tem o direito de exigir, cumulativamente, a restituição do chamado “lucro da intervenção”, que é, simplesmente, o valor auferido pelo violador do direito mediante a exploração indevida da imagem de outrem.
Dessa forma, evita-se, inclusive, o enriquecimento sem causa do agente causador do dano. Nesse sentido, vale a pena a leitura do elucidativo julgado do Tribunal da Cidadania (STJ):
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. USO INDEVIDO DE IMAGEM. FINS COMERCIAIS. ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. ART. 884 DO CÓDIGO CIVIL. JUSTA CAUSA. AUSÊNCIA. DEVER DE RESTITUIÇÃO. LUCRO DA INTERVENÇÃO. FORMA DE QUANTIFICAÇÃO. […] 2. Ação de indenização proposta por atriz em virtude do uso não autorizado de seu nome e da sua imagem em campanha publicitária. Pedido de reparação dos danos morais e patrimoniais, além da restituição de todos os benefícios econômicos que a ré obteve na venda de seus produtos. 3. Além do dever de reparação dos danos morais e materiais causados pela utilização não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais, nos termos da Súmula nº 403/STJ, tem o titular do bem jurídico violado o direito de exigir do violador a restituição do lucro que este obteve às custas daquele. 4. De acordo com a maioria da doutrina, o dever de restituição do denominado lucro da intervenção encontra fundamento no instituto do enriquecimento sem causa, atualmente positivado no art. 884 do Código Civil. 5. O dever de restituição daquilo que é auferido mediante indevida interferência nos direitos ou bens jurídicos de outra pessoa tem a função de preservar a livre disposição de direitos, nos quais estão inseridos os direitos da personalidade, e de inibir a prática de atos contrários ao ordenamento jurídico. 6. A subsidiariedade da ação de enriquecimento sem causa não impede que se promova a cumulação de ações, cada qual disciplinada por um instituto específico do Direito Civil, sendo perfeitamente plausível a formulação de pedido de reparação dos danos mediante a aplicação das regras próprias da responsabilidade civil, limitado ao efetivo prejuízo suportado pela vítima, cumulado com o pleito de restituição do indevidamente auferido, sem justa causa, às custas do demandante. 7. Para a configuração do enriquecimento sem causa por intervenção, não se faz imprescindível a existência de deslocamento patrimonial, com o empobrecimento do titular do direito violado, bastando a demonstração de que houve enriquecimento do interventor. […] 9. Recurso especial provido.
(REsp 1698701/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 02/10/2018, DJe 08/10/2018)
Assim, a medida que se mostra apropriada para fazer valer os direitos da vítima é o ajuizamento da competente ação de não fazer[11] cumulada com indenização de danos e, se cabível, restituição do lucro de intervenção.
Conclusão
Por todo o exposto, foi possível compreender que a imagem do indivíduo é um direito não apenas personalíssimo como também fundamental. Além disso, é composta pela imagem-retrato e pela imagem atributo, ambas igualmente tuteladas pelo Direito.
Embora o Código Civil tenha enumerado expressamente apenas duas situações consideradas uso indevido de imagem, a doutrina e a jurisprudência possuem entendimento pacífico no sentido de que o ataque à honra, boa fama ou à respeitabilidade ou, ainda, os fins comerciais da utilização são prescindíveis diante da não autorização da vítima.
Ademais, é preciso estar atento às hipóteses que afastam a inadequação do uso de imagem: autorização do titular, necessidade da administração da justiça ou da manutenção da ordem pública. De igual sorte, há casos em que a liberdade de imprensa e de expressão, combinadas com o direito de informação, haverão de se sobrepor à falta de autorização do sujeito, sob pena de se estar admitindo censura ou inviabilizando a atividade jornalística.
Por fim, para garantir o direito daquele que teve sua imagem maculada, cabe o ajuizamento da ação de não fazer cumulada com indenização de danos morais e/ou materiais e restituição do lucro de intervenção, caso o uso indevido de imagem teve finalidade econômica ou comercial, hipótese na qual, também, há de se destacar não ser necessária a produção de prova dos danos morais experimentados.
[1] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Manual de direito civil: volume único. São Paulo: Saraiva, 2017.
[2] TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012.
[3] VENOSA, Sílvio de Salvo. Código Civil Interpretado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2011.
[4] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo, op. cit.
[5] Segundo o Enunciado nº 139 da III Jornada de Direito Civil, “os direitos da personalidade podem sofrer limitações, ainda que não especificamente previstas em lei, não podendo ser exercidos com abuso de direito de seu titular, contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes”.
[6] Enunciado nº 04 da I Jornada de Direito Civil.
[7] A bem da verdade, há certos direitos de personalidade que gozam de tutela jurídica mesmo após o falecimento de seu titular, conforme indica o parágrafo único do art. 20 do Código Civil, que será detalhado mais à frente.
[8] A súmula nº 227 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) pacificou a jurisprudência no sentido de que pessoas jurídicas podem sofrer danos morais.
[9] DONIZETTI, Elpídio; QUINTELLA, Felipe. Curso didático de direito civil. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2016.
[10] VENOSA, Sílvio de Salvo, op. cit.
[11] A obrigação de não fazer consubstancia-se no ato de cessar a divulgação ou utilização da imagem da vítima.