posse clandestina
CategoriasDireito Imobiliário

No artigo de hoje iremos abordar uma das espécies da posse, qual seja, a “posse clandestina”, para tanto, é de extrema relevância perceber também a diferença existente entre posse justa e posse injusta, bem como os seus desdobramentos a fim de se estabelecer uma melhor compreensão acerca da temática.

Ademais, será abordada a relação entre as hipóteses de posse clandestina e a figura da “usucapião” demonstrando se há ou não viabilidade da ocorrência desta última.

Para um maior percepção e aprofundamento do assunto, sugiro também a leitura do nosso texto “AÇÕES POSSESSÓRIAS – CLASSIFICAÇÕES DA POSSE (POSSE DIRETA X POSSE INDIRETA)”. 

Posse justa ou injusta

Dentre as classificações referentes à posse podemos destas as seguintes: quanto à relação pessoa-coisa (ou quanto ao desdobramento), quanto à presença de vícios, quanto à boa fé, quanto à presença ou não de título, bem como quanto a tempo e os efeito da posse;

O artigo em questão ocupa-se de esmiuçar a classificação da posse no que diz respeito a presença de vícios, tendo por fundamento legal as disposições expressas Código Civil

Sendo assim, a posse pode ser JUSTA, ou seja, é a posse que não irá apresentar nenhum tipo de violência, clandestinidade ou precariedade; é hipótese de uma posse limpa;

Nesse sentido, nota-se que o Código civil não traz necessariamente um conceito de posse justa, mas o faz por exclusão na medida que dispõe que a posse justa será aquela que não figure como violenta, clandestina ou precária

Ou a posse poderá ser INJUSTA, trata-se de posse que contém os vícios mencionados acima, ou seja, ocorreu a posse mediante ação violenta, precária ou clandestina.

A posse violenta é aquela que a doutrina estabeleceu uma analogia com o crime de roubou constante no artigo 157 do Código penal, isto por que, trata-se de uma posse em que é utilizada a força física ou moral; a violência é meio para obtenção da posse.

Ressalta-se que esse tipo de posse pode ser dirigida tanto ao possuidor legítimo quanto ao servidor da posse e que se mostra imprescindível que a violência seja contra uma pessoa, não sendo levada em consideração a violência contra a coisa.

Um exemplo de posse violenta e que é recorrente nos noticiários são os atos de determinados grupos sociais em grandes fazendas que realizam verdadeiras invasões armadas nessas propriedades e lá se instalam, caracterizando assim a posse de natureza violenta

Ao que tange a posse precária, os doutrinadores realizam uma analogia com o crime de estelionato previsto no artigo 171 do Código penal, uma vez que trata-se de posse que é obtida por meio do abuso de confiança;

Outra denominação conferida à posse precária é a de “esbulho pacífico”, tendo em vista a ausência de violência, muito embora a confiança seja “traída” para se obter a posse;

A doutrina também estabelece comparativo, em relação a posse precária, com o crime de apropriação indébita, mais uma vez reforçando esse caráter de abuso de confiança por parte daquele que obtém a posse;

Um exemplo desse tipo de posse seria a hipótese do dono de um determinada fazenda realizar uma viagem e deixar o caseiro na posse do imóvel, ao retornar, no entanto, o caseiro se recusa a entregar de volta o bem;

Ou ainda, um relação de aluguel em que o locatário ao término do contrato se recusa a devolver o bem que estava em sua posse, caracterizando hipótese de abuso de confiança e, portanto, posse precária.

Por fim, e principal objeto de análise do artigo em questão, temos a posse clandestina que é a hipótese que pode ser visualizada naquelas situações em que a posse é obtida às escondidas, furtivamente;

Ou seja, de forma sorrateira obtém-se a posse de determinado bem; estabelecendo, mais uma vez, analogia aos crimes constante do Código Penal, a doutrina a assemelha ao crime de furto.

À título de exemplo, é hipótese de posse clandestina a ação de determinados movimentos sociais que, SEM VIOLÊNCIA, entram na calada da noite em uma determinada propriedade que está cumprindo a sua função social e lá se instalam recusando-se a sair. 

Vale a observação de que na posse clandestina é necessário estar presente a intenção de esconder a realização do ato, ou seja, o possuidor injusto quer permanecer às ocultas;

Ainda, nesse cenário, não é relevante para ser considerada posse clandestina se terceiros saibam da ocupação, desde que o possuidor não tenha noção da ocorrência dela. 

Ponto importante e que merece destaque é o fato que para que haja posse injusta não se mostra necessária a cumulação desses critérios, sendo assim, bastando a presença de um deles haverá a posse injusta. 

Ao que tange o fato do rol das injustiças (clandestinidade, violência e precariedade) serem de ordem taxativa ou exemplificativa, duas correntes se posicionam no seguintes sentidos:

A primeira aponta esse rol como taxativo, uma vez que dar margem para outras hipóteses de injustiças diversas das previstas no artigo 1.200 do código civil seria contribuir para um processo de exclusão social, uma vez que é corriqueira a situação de diversas famílias ocupando imóveis abandonados. 

Por sua vez, a segunda corrente dispõe que não há como o legislador prever todas as hipóteses de injustiça, razão pela qual o rol possuiria caráter exemplificativo;

Ademais atribuir às hipóteses de injustiça um caráter exemplificativo seria conferir maior flexibilidade a este instituto de modo que outras situações em que se percebesse um ato de injustiça poderiam ser amparadas por esse dispositivo. 

Ponto curioso é o fato que ainda que injusta a posse pode ser defendida pelas ações possessórias, quais sejam, interdito proibitório, reintegração de posse e manutenção de posse;

Isto por que o vício é de natureza “inter partes”, ou seja, só existe vício entre aquele que possuiu de forma injusta e o real possuidor da coisa, de modo que não há o que se falar de vício em relação a todas as pessoas.

Assim, poderá o possuidor injusto utilizar-se das ações possessórias para defender a sua posse contra terceiros, ainda que injusta, mas não poderá contra aquela pessoa de quem se tirou a coisa.

Para fins de elucidação imagine que determinada pessoa, mediante violência, obtém a posse de uma propriedade e logo em seguida outra pessoa, que não era o possuidor anterior, tenta obter a posse da coisa para si. Nesse cenário, poderá o atual possuidor injusto se utilizar dos meios legais para obter amparo legal e evitar a agressão.

O que é usucapião?

Antes de estabelecermos a relação existente entre posse clandestina e usucapião devemos entender o que este último significa e quais são suas aplicações no ordenamento jurídico pátrio.

De maneira simples e direta o usucapião é uma ferramenta que permite alguém alcançar a propriedade de um determinado bem em virtude do transcurso do tempo, desde que preenchido alguns requisitos;

Dentre esses requisitos tem-se a intenção, a vontade do possuidor de ter a coisa para sim (o animus domini), a posse mansa e pacífica da coisa, bem como estar em posse daquele determinado bem por um período mínimo de tempo.

Ao que tange a disposição legal acerca do usucapião, visualizamos uma das modalidades nesse instituto no artigo 1.238 do Código Civil ao dispor que 

“Artigo 1.238 – Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquiri-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, qual servirá de título para o registro no Cartório de Registro de Imóveis. 

Parágrafo único. O prazo estabelecido neste artigo reduzir-se-á a dez anos se o possuidor houver estabelecido no imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo.”

Desse modo, é possível visualizar a preocupação do legislador com a função social da propriedade prevista na constituição federal ao diminuir o lapso temporal mínimo para a ocorrência da usucapião. 

Posse clandestina x usucapião

Agora que tanto a posse clandestina como a usucapião foram abordados de maneira individual, passaremos a análise de forma conjunta, observando a relação existente entre eles e seus desdobramentos.

Ponto a destacar incialmente é o fato que na hipótese de um bem ter sido tomado por violência ou mediante clandestinidade não há o que se falar em posse, mas em mera detenção. No entanto, cessada a situação de violência ou clandestinidade a posse começará a existir. 

A clandestinidade se dá no momento da posse injusta, cessada essa situação não há mais clandestinidade, viabilizando portanto a posse e permitindo correr o tempo para usucapião que acrescido dos demais requisitos poderá se consumar

Ou seja, os vícios existentes na posse injusta dizem respeito ao seu nascimento, de modo que, se cumprido os requisitos do usucapião a posse passará a ser justa, tendo em vista que o usucapião é modo originário de aquisição da propriedade, extinguindo os vícios que a acompanham.

Dentre os requisitos a ser cumpridos tem-se a posse mansa e pacífica, ou seja, durante o lapso temporal necessário para caracterização da usucapião não poderá haver intervenção de terceiros, oposições judiciais ou qualquer tipo de violência a fim de tomar o bem, sob pena de macular o prazo para aquisição da usucapião.

Há de ressaltar que existem entendimentos doutrinários que além desse caráter manso e pacífico deverá ter, também, o desinteresse de agir por parte do antigo possuidor, ou seja, não se utiliza dos meios legais para reagir ao injusto.

Outro requisito de extrema relevância refere-se ao fato da posse ter que ser ad usucapionem, isso significa que o possuidor deve ter a noção de que não é o proprietário daquele bem, mas há nele a intenção, o desejo de ter para si aquela propriedade. 

Desse modo, havendo o caráter ad usucapionem em conjunto com o lapso temporal, bem como com a mansidão e pacificidade ainda que a posse seja injusta poderá ocorrer o usucapião. 

Por fim, o que se nota é a tendência de um posicionamento no sentido de que mais importante do que a maneira pela qual a posse foi adquirida (se justa ou injusta) é o fim a que ela se destina;

Assim, sob o ponto de vista constitucional, irá prevalecer a função social, mesmo naquelas hipóteses em que haja vício na aquisição da posse de um determinado bem, como ocorre no caso da clandestinidade. 

SINTESE

A fim de solidificar o conhecimento, destaca-se alguns pontos do artigo, quais sejam:

  • Posse justa é todo tipo de posse que não se dê por violência, precariedade ou clandestinidade (critério por exclusão)
  • Posse injusta são as de ordem violenta, clandestina ou precária, consoante o disposto no artigo 1.200 CC/02 (rol exemplificativo) 
  • Posse violenta: uso da força física ou moral; é realizada contra pessoas, nunca contra a coisa; independe de motivação; deve haver oposição ao ato
  • Posse precária: caracterizada pelo abuso de confiança; pressupõe uma relação jurídica
  • Posse clandestina: realizada de forma sorrateira, furtiva, oculta; o possuidor legítimo não pode saber da sua ocorrência; a intenção do possuidor injusto de permanecer oculto deve ser manifesta
  • 3 requisitos para ocorrência da usucapião: posse mansa e pacífica; cumprimento do lapso temporal previsto em lei; caráter ad usucapionem (intenção de ter a coisa para si)
  • Possibilidade de usucapião mesmo nas hipóteses de clandestinidade – posse injusta – (cessada a situação de clandestinidade e cumprido os requisitos poderá haver usucapião) 
  • Destinação da posse se sobrepondo à forma como ela adquirida (independente de justa ou injusta)

REFERÊNCIAS: 

FRAGA, P.F.; LEAL, F.H.; MASSARUTTI, E.A.D.S.; AL., E. Direito Civil III. São Paulo: Grupo A, 2018. 9788595026223. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788595026223/. 

Flávio, T. Direito Civil – Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie – Vol. 3. São Paulo Grupo GEN, 2020. 9788530989347. Disponível em: https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788530989347/.