ação demarcatória
CategoriasDireito Imobiliário

Demarcar, semanticamente falando, trata-se de impor limites, circunscrever; nesse sentido, a ação demarcatória é uma ferramenta jurídica que tem por propósito definir a linha divisória existente entre duas propriedades de modo que seja possível distinguir as suas divisas. 

Assim, havendo confusão entre os limites ou não sendo possível enxergá-los, o referido instrumento viabiliza a fixação de novos limites ou redefine os já existentes, mas que não são possíveis visualizar naquele momento; a sua essência é estabelecer uma evidente linha divisória entre imóveis confinantes.

Assim, a ação demarcatória, seus desdobramentos e importância para o Direito imobiliário serão os objetos de estudo do artigo de hoje; vejamos. 

No tocante ao amparo legal, podemos vislumbrar a ação demarcatória no Código Civil de 2002, especificamente nos artigos 1.297 e 1.298, com os seguintes dizeres: 

Art. 1.297. O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas.

Art. 1.298. Sendo confusos, os limites, em falta de outro meio, se determinarão de conformidade com a posse justa; e, não se achando ela provada, o terreno contestado se dividirá por partes iguais entre os prédios, ou, não sendo possível a divisão cômoda, se adjudicará a um deles, mediante indenização ao outro.

Da leitura do 1.297 acima notamos que é concedido aos confrontantes (proprietários dos imóveis fronteiriços, confinantes) a faculdade de “constranger”, ou seja, de fazer com que um exija do outro a demarcação, ou dar maior nitidez, aos limites existentes entre os prédios a fim de que possa ser estabelecido a divisão entre eles;

Ocorre que havendo a recusa por parte de um dos confrontantes é que a ação demarcatória, então objeto de análise do artigo em questão, entrará em cena, fazendo com que a pretensão de demarcação dos limites seja satisfeita. 

O que se percebe, portanto, é que para que haja a propositura de uma ação demarcatória deve existir um conflito entre os confinantes quanto à divisão de seus limites; assim, é o litígio entre personalidades fronteiriças que dará sustentáculo a esse tipo de ação.  

Vale destacar, ainda, que a ação demarcatória possui natureza de procedimento especial, abordando não só o direito material, mas também dispositivos legais processuais; Nessa seara, os artigos 569 à 598 previstos no Código de Processo Civil irão regular esses instituto.

Da propositura e requisitos da Ação Demarcatória

Além do contexto de litígio há de se falar também em propositura de ação demarcatória em outros cenários, quais sejam: quando não existe ou sequer chegou a existir uma evidente linha divisória entre prédios confinantes;

Ainda, com o tempo a linha ali existente foi apagada ou por alguma outra razão tornou a identificação confusa de modo que não há como estabelecer de forma clara e precisa qual o limite existente entre as propriedades;

Ou também, naquelas situações em que a descrição de um dos confrontantes aponta um determinado limite enquanto na do outro confrontante apresenta limite diverso da do primeiro. Assim, um juiz, mediante sentença, estabelecerá qual é o limite correto diante de tal diferença documental.

Ponto interessante a ser destacado diz respeito alguns requisitos para que possa ser intentada a ação demarcatória, quais sejam, a necessidade de uma propriedade privada, independentemente de ser urbana ou rural, bem como a imprescindibilidade da contiguidade entre as propriedades.

Quanto a este último ponto, cumpre destacar que contiguidade significa proximidade, ou seja, as propriedades devem ser, como popularmente se chama, “vizinhas”; num estado ou condição daquilo que encontra-se próximo um ao outro;

E em relação a este aspecto de proximidade há de salientar que de outro modo não poderia ser, tendo em vista que não há o que se falar de interesse jurídico quanto a definição de linhas divisórias se os terrenos não possuem proximidade. 

Do entendimento doutrinário e jurisprudencial

No tocante ao entendimento jurisprudencial, vale destacar que havendo sinais exteriores, como por exemplo uma cerca ou um muro, estabelecendo os limites entre prédios contíguos não será viável a propositura de ação demarcatória, sendo cabível somente a reivindicação.

Há entendimento doutrinário, no entanto, em sentido contrário dispondo que a existência desses sinais exteriores não pode ser um óbice à ação demarcatória, sem ao menos analisar as condições de instalação do referido sinal;

Ainda nesse sentido, diz os doutrinadores que tal ação somente não poderia vir a ser intentada nas hipóteses de usucapião aliado ao fato que o imóvel em questão nunca foi alvo de nenhum tipo de demarcação.

Outro entendimento jurisprudencial que vale a pena ser destacado diz respeito ao recente entendimento acerca do instituto da ação demarcatória que prevê a inviabilidade desse tipo de ação quando houver ação possessória pendente;

Nesse sentido, dispôs a terceira turma do Superior Tribunal de Justiça:

“A proibição do ajuizamento de ação petitória enquanto pendente ação possessória, em verdade, não limita o exercício dos direitos constitucionais de propriedade e de ação, mas vem ao propósito da garantia constitucional e legal de que a propriedade deve cumprir a sua função social, representando uma mera condição suspensiva do exercício do direito de ação fundada na propriedade”

Diferença entre Ação Demarcatória e Ação Reivindicatória (Ação Demarcatória x Ação reivindicatória) 

Vale destacar também a diferença existente entre os institutos da ação demarcatória e da ação reivindicatória, que, embora parecidas possuem diferenças em alguns aspectos que serão aqui explorados.

Certo é que as duas ações viabilizam a recuperação de um determinado terreno que foi ocupado de forma indevida, sendo instrumento de extrema importância para o direito imobiliário;

Ocorre que ao que tange a ação reivindicatória os limites que definem o espaço de determinado terreno ele são passíveis de visualização, sendo, portanto, o escopo desse instrumento legal a recuperação de uma quota certa e já conhecida.

O mesmo não ocorre na ação demarcatória, uma vez que há necessidade da realização da definição dos limites existentes entre os terrenos, para que assim seja possível a consecução da parte que o autor da ação anseia; primeiro demarca, depois recupera. 

Vale destacar também que a ação demarcatória é de caráter imprescritível, isto por que, enquanto existir a confusão entre os limites persistirá o direito por partes dos confinantes de pedir a demarcação.

No entanto, podem vir a ocorrer determinadas condutas por parte dos confinantes que faz com que a confusão existente entre os limites não mais exista, como por exemplo, nas hipóteses da usucapião em que a demarcação por um dos confinantes faz com que o pressuposto para propositura da ação demarcatória – a ausência de marcação – desapareça, não dando mais ensejo a esse tipo de ação. 

Ação Demarcatória (Aspectos Processuais)

Ao que tange os aspectos processuais da ação demarcatória é possível visualizar duas fases distintas, a primeira delas encontra guarida nos artigos 574 até o artigo 581 do Código de Processo Civil e é ela que veremos a seguir;

Na elaboração da petição inicial de uma demarcatória o autor da ação deverá apresentar na sua petição inicial os títulos da propriedade, de modo que fique demonstrado ser o proprietário daquele imóvel.

Nesse sentido, a dúvida que surge diz respeito aos imóveis que se encontram ainda sem matrícula; esta apresenta todas as informações relevantes que irão individualizar um determinado imóvel;

É na matrícula que encontraremos os proprietários e as eventuais restrições que o imóvel pode vir a sofrer, a essência desse instrumento é tornar único o imóvel, funcionando como uma verdadeira identidade;

Assim, na hipótese de haver o domínio, mas não dispor dos títulos que irão instruir a petição inicial a razão de ser da ação não será a propriedade, mas sim a posse, o que viabilizará a propositura da demarcatória ainda que sem os títulos de propriedade.

Ainda na seara da petição inicial, também será apontada as características do imóvel que será objeto de demarcação, bem como quais são os limites que serão demarcados, ou seja, o autor deve indicar aquilo que ele anseia como faixa de limite da sua propriedade. 

Por fim, há de se observar também quem são os confrontantes do caso em questão, além de definição do valor tendo por base para tanto o quanto se é cobrado de imposto sobre aquele imóvel, independentemente do seu valor de mercado. 

Dando seguimento ao curso normal do processo, após o a resposta do réu ao juiz cabe determinar que seja realizada a prova pericial de modo que se obtenha a linha demarcanda;

Vale ressaltar que trata-se de um procedimento obrigatório, sob pena de nulidade da sentença e será realizada por um agrimensor e dois arbitradores por escolha do juiz, independente da concordância prévia das partes.  

Ressalte-se que nada impede que realizada a prova pericial chegue-se a conclusão de que já existe a linha em questão, caso em que o juiz deve julgar o pedido da ação demarcatória improcedente. 

Dentre os elementos contributivos para realização da perícia destaque-se os títulos do proprietário, no entanto, nada impede que outros meios possam vir a ser utilizados, à exemplo de linhas divisórias de locais próximos ou até mesmo declarações dos moradores anteriores. 

Desse minucioso estudo restará a elaboração de um laudo por parte dos arbitradores, atente-se que na hipótese de haver conflito de opiniões entre eles ficará a cargo do juiz a palavra final;

Ainda, quanto ao agrimensor, este irá confeccionar a planta do local e descreverá todas ações que foram realizadas durante a perícia, inclusive quanto a linha a ser demarcada; por fim, essas informações serão juntadas com o laudo elaborado pelos arbitradores.

Finalizada essa questão será proferida a sentença da primeira fase; aqui devemos ter muita atenção uma vez que trata-se de decisão que irá abordar todas as questões atinentes a linha a ser traçada, de modo que após essa decisão não há mais viabilidade de discussão sobre esse tema. 

Analisada a primeira fase, passemos a análise da segunda;

Vale destacar aqui que a primeira e segunda fase trata-se de relação processual única, ou seja, são atos contínuos que possuem vinculação um com o outro, tanto é que não há nova citação no momento de realização da segunda fase;

No tocante ao procedimento da segunda fase temos a efetiva realização técnica de todo aquele trabalho de demarcação que foi realizado na primeira fase, assim, não se trata de condenação, mas de mera declaração dos atos de demarcação realizados anteriormente (a sentença terá caráter declaratório).

SINTÉSE

Dentre os pontos que merecem destaque, estão os seguintes:

  • Demarcação é o ato de definir limites, circunscrever.
  • A ação demarcatória é um meio legal para definir limites entre duas propriedades confinantes quando houver confusão entre esses limites ou quando estão apagados.
  • É legitimado ativo para ação demarcatória o proprietário (não só o proprietário pleno, mas também usufrutuário, nu proprietário, entre outros proprietários limitados)
  • A inicial deve ser instruída com o título da propriedade (salvo nas hipóteses de posse); características do imóvel que será demarcado; os limites que anseia o proprietário; nomeação dos confrontantes, bem como o valor da causa
  • Ação demarcatória é diferente de Ação reivindicatória; a diferença reside no conhecimento ou não da existência de linha divisória das propriedades.
  • O processo de ação demarcatória é composto por duas fases; a sentença da primeira irá dispor acerca da definição dos limites divisórios e após o trânsito em julgado não cabe mais discussão do tema; a segunda de caráter declaratória irá dar ensejo a realização da efetiva demarcação dos limites. 

PALAVRAS CHAVES (KEYS CODES): AÇÃO DEMARCATÓRIA; POSSE; PROPRIEDADE; DIVISÃO; AÇÃO REIVINDICATÓRIA

REFERÊNCIAS: 

TADEU ROGÉRIO. Jus, 2018. A AÇÃO DE DEMARCAÇÃO E AS DISCUSSÕES SOBRE A POSSE DE BENS IMÓVEIS. A AÇÃO DE DIVISÃO. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/63991/a-acao-de-demarcacao-e-as-discussoes-sobre-a-posse-de-bens-imoveis-a-acao-de-divisao> 

REVISTA CONSULTOR JURÍDICO. conjur, 2018. Ação demarcatória é inviável enquanto houver ação possessória pendente. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2018-fev-08/acao-demarcatoria-inviavel-houver-acao-posse-pendente> 

REDAÇÃO CASH ME. Cashme, 2021. Matrícula de imóvel: O que é como emitir. Disponível em: <https://www.cashme.com.br/blog/matricula-de-imovel/> 

PLANALTO. planalto.gov, c2021. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm> 

PLANALTO. planalto.gov, c2021. CÓDIGO CIVIL. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm> 

JESUS DE GUIZELA. Jus. 2018. Ação de demarcação de terras. Disponível em: < https://jus.com.br/artigos/69389/acao-de-demarcacao-de-terras/2>