No artigo de hoje iremos abordar o “princípio da saisine”, um tema de extrema relevância para o Direito Sucessório e que é regulado pelo Código Civil, mais especificamente em seu artigo 1.784 (CC/02).
Se encararmos o assunto “morte” sob uma perspectiva jurídica, visualizaremos que ela é o alicerce do Direito Sucessório, isto por que, é a partir da sua ocorrência que será aberta a sucessão.
É o que se visualiza da leitura do mencionado artigo ao dispor que aberta a sucessão (que se dá com a morte), a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros bem como aos testamentários.
Ou seja, só é possível visualizar a sucessão e suas consequentes aplicações com a ocorrência da morte do “de cujus” (falecido e autor da herança), tendo em vista que não há herança de pessoa que esteja viva.
Desse modo, o artigo ocupa-se de demonstrar o conceito desse princípio do ponto de vista doutrinário e jurisprudencial, bem como a sua natureza jurídica e seus efeitos em um contexto mais contemporâneo; vejamos.
O que é o princípio da Saisine?
O princípio da Saisine pode ser conceituado como uma ficção jurídica em que ocorrendo a morte de uma determinada pessoa os seus bens serão imediatamente transferidos aos sucessores (legítimos e testamentários);
Isso se dá com o propósito de evitar que esses bens fiquem sem titular enquanto ocorre todo o trâmite de transferência definitiva dos bens do “de cujus” para os herdeiros.
Sendo assim, imagine que Pedro é sucessor de Renato, este último vem a falecer em um terrível acidente de carro; observe que no momento em que Renato sofre o acidente e consequentemente vem a falecer os bens concomitantemente são transferidos para Pedro;
E é por isso que se diz que esse princípio é uma ficção jurídica, por que não há nenhum tipo de formalidade necessária para que a transferência se concretize, bastando que ocorra a morte do “de cujus” para tal.
Vale ressaltar que no momento da ocorrência da morte o herdeiro irá receber os bens exatamente da forma como se encontrava com o autor da herança, logo, além do ativo financeiro, também virá junto as dívidas, ações e pretensões existentes em face do bem transferido.
O que se percebe, portanto, é que a transmissão é um efeito imediato da morte, em que elas (transmissão e morte) irão coincidir cronologicamente, ou seja, havendo a morte (ou sua presunção) teremos a imediata transmissão da propriedade e da posse dos bens aos herdeiros.
Da relação entre Direito das Sucessões e o Princípio da Saisine (direitos das Sucessões x Princípio da Saisine)
O Direito Sucessório pode ser definido como o conjunto de regras que irão regular a transferência do patrimônio de uma determinada pessoa, após a sua morte, seja por meio de lei, seja por expressa disposição testamentária; trata-se de um dos segmentos do Direito Civil.
E ao se falar em Direito Civil e suas hipóteses de sucessão é possível destacar a sucessão entre vivos (intervivos), a qual será regulada pelo Direito das obrigações (também um segmento do Direito Civil) e a sucessão “causa mortis”, ou seja, em decorrência da situação de morte.
E é neste último caso que podemos observar a manifestação do princípio da saisine, uma vez que, conforme visto acima, com a ocorrência da morte, simultaneamente tem-se a transmissão do bens;
Depreende-se, portanto, que o princípio da saisine é uma das vertentes existentes no gênero Direito das Sucessões e que, por sua vez, é regulado pela disciplina do Direito Civil; a saisine e suas disposições estão intrínsecas ao direito sucessório.
Ponto importante a destacar e que causa muita confusão refere-se a distinção existente entre herança e sucessão; esta última é hipótese em que uma pessoa substitui outra, assumindo os seus direitos e suas obrigações, em decorrência da morte da substituída.
Ao passo que a herança será a transmissão desses direitos e obrigações ao herdeiros, tendo em vista a morte do dono do patrimônio. Trata-se de, portanto, de institutos com certa similaridade, mas que são distintos e não podem ser confundidos.
Quais os efeitos da Saisine?
Do ponto de vista doutrinário, cabe destacar alguns dos efeitos do princípio da Saisine; o primeiro deles diz respeito à imediata mutação subjetiva, ou seja, abertura da herança em virtude da morte e consequente e simultânea transferência dos bens aos herdeiros (ponto já visto nos tópicos acima)
Outro efeito presente neste instituto refere-se ao fato que com a morte do autor da herança o herdeiro passa a ter legitimidade ad causam, ou seja, terá a faculdade de protege-la contra terceiros;
Sendo assim, nessa hipótese os herdeiros poderão, a partir da abertura da sucessão, ingressar com ações contra quem de algum modo ofereça algum tipo de perigo à posse, além de poder, inclusive, atuar no polo passivo das ações que foram propostas contra o “de cujus”.
Vale salientar, ainda, que a tão mencionada transferência da propriedade e da posse que se dá em virtude da morte ocorrerá ainda que não haja a manifestação do aceite por parte dos herdeiros. Como dito anteriormente, é caso de ficção jurídica, e por conseguinte não necessita da aceitação para a sua ocorrência.
Por fim, há de mencionar também como efeito da saisine sua aplicação ainda que a pessoa não tenha nascido, logo, se houver disposição testamentária e a pessoa na época da abertura da sucessão já tiver sido concebida o princípio em questão também será a ela aplicado.
Para que serve?
O “droit de saisine”, como também é conhecido este princípio, surge como uma ferramenta que visa evitar que os bens fiquem seu titular, ou seja, trata-se de uma forma de proteção ao direito de propriedade
Certo é que só existe um direito se houver um titular, no entanto, se ocorre a morte de determinada pessoa esta não é mais apta para o exercício dos direitos da vida civil, visto que ocorrerá a extinção dessa aptidão com a morte;
Desse modo, era preciso uma forma de viabilizar a transferência dos direitos do falecido para que estes não se extinguissem juntamente com a morte dele, assim o princípio da saisine enquanto ficção jurídica se mostra a alternativa viável para a manutenção e exercício desses direitos.
Tanto é que a transferência, como visto, ocorre independente do aceite por parte do herdeiro, justamente por que o escopo é a proteção do direito de modo que ele não fique acéfalo e se extinga com o seu atual titular que venha a morrer
Vale ressaltar, que embora a transferência seja imediata e simultânea à morte conforme foi amplamente abordado nos tópicos anteriores, os herdeiros somente ficarão na posse indireta desses bens, somente ocorrendo a posse direta com efetiva partilha do inventário
Exceções ao princípio
Embora a regra seja a transferência imediata dos bens aos herdeiros sejam eles legítimos ou testamentários, certo é que há hipóteses em que não ocorrerá a incidência do princípio da saisine.
Primeiro ponto a destacar em que é possível é visualizar a não aplicação do referido princípio diz respeito às relações como o Poder Público, ou seja, se o autor da herança não tiver herdeiros não ocorrerá o “droit de saisine” em favor da Administração Pública;
Logo, se o de cujus não tiver nenhum tipo de herdeiro, seja testamentário, seja facultativo ou obrigatório teremos uma hipótese do fenômeno conhecido como “herança jacente”, isso quer dizer uma herança que não possui dono.
Nesse caso ocorrerá um processo de declaração de vacância em que os bens irão passar para o domínio do ente público no local aonde se encontram, mas observe que em momento algum ocorre a saisine, mas sim a sentença de um juiz que irá determinar o domínio e posse da herança.
Outras hipóteses de exceção ao referido princípio que podem ser citada refere-se à proibição de sucessão ao cônjuge em terrenos de marinha, bem como as hipóteses de autorização de pesquisa mineral que só poderá ser transmissível a herdeiros necessários ou cônjuge sobrevivente.
Entendimento dos tribunais sobre o Princípio da Saisine (Jurisprudência x Princípio da Saisine)
Ao que tange o entendimento jurisprudencial acerca do tema o Superior Tribunal de Justiça conceitua o referido princípio com os seguintes dizeres:
“O Princípio da Saisine, corolário da premissa de que inexiste direito sem o respectivo titular, a herança, compreendida como sendo o acervo de bens, obrigações e direitos, transmite – se, como um todo, imediata e indistintamente aos herdeiros. Ressalte-se, contudo, que os herdeiros, neste primeiro momento, imiscuir-se-ão apenas na posse indireta dos bens transmitidos. A posse direta ficará a cargo de quem detém a posse de fato dos bens deixados pelo de cujus ou do inventariante, a depender da existência ou não de inventário aberto.”
Nesse mesmo sentido dispõe o Recurso Especial nº537.363 – RS (2003/0051147-7):
“Não obstante a caracterização da posse como poder fático sobre a coisa, o ordenamento jurídico reconhece, também, a obtenção deste direito na forma do art. 1.572 do Código Civil de 1916 (e art. 1.784 do CCB/2002), em virtude do princípio da saisine, que confere a transmissão da posse, ainda que indireta, aos herdeiros, independentemente de qualquer outra circunstância.”
Desse modo, o que se percebe é a que definição por parte dos tribunais está em consonância com a abordagem doutrinária, bem como da disposição prevista em lei, sendo tal princípio aplicável no momento da morte do de cujus.
A relativização do Princípio da Saisine
Outro ponto importante e que merece destaque refere-se à relativização do princípio da saisine. Consoante disposto nos outros tópicos, ao se falar da herança deixada pelo falecido podemos notar que, antes da realização da partilha, trata-se de um bem único e indivisível.
Essa universalidade de Direito somente será dividida após a realização do inventário, até lá esses bens serão transmitidos aos herdeiros de forma conjunta, hipótese em que irão exercer a posse indireta desses bens.
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado no sentido da relativização desse princípio naquelas situações que ocorre um conflito de interesses entre a aplicação da saisine e outros princípios que tem por objetivo defender a coletividade, bem como a ordem econômica e social.
Sendo assim, tendo em vista o “droit da saisine” se destinar a interesses privados não há o que falar desse instituto se sobrepor frente a outros interesses que são de ordem pública, sobretudo naquelas hipóteses em que há a presença de princípios de ordem constitucional
O que se percebe, portanto, é que o princípio da saisine não possui caráter absoluto, podendo vir a ser relativizado tendo em vista que na hipótese de conflito entre interesses particulares e públicos este último irá se sobressair.
SÍNTESE
Após análise minuciosa do instituto do princípio da saisine merece destaque e especial atenção os seguintes tópicos:
- O princípio da saisine é tema do Direito das Sucessões que irá regular a transmissão do patrimônio de uma pessoa para outra, em razão da morte.
- A abertura da sucessão se dá com a morte
- A morte e a transmissão dos bens aos herdeiros ocorre de maneira simultânea
- Herança e Sucessão são institutos diferentes; o primeiro diz respeito à transmissão de direitos e obrigações ao passo que o segundo à substituição de uma pessoa por outra em direitos e obrigações
- O princípio da saisine como forma de evitar que determinados direitos fiquem sem titular, tendo em vista que não existe direito sem titular
- Possibilidade de relativização do princípio da saisine naquelas situações em que houver conflito de interesse entre o público e o particular, devendo aquele se sobrepor a este.
KEY CODES (PALAVRAS CHAVES): PRINCÍPIO DA SAISINE; SUCESSÃO; HERANÇA; DIREITO SUCESSÓRIO
REFERÊNCIAS:
ALBERTO MARCOS. ambitojuridico, 2011. Princípio da saisine: Direito de sucessão no registro de imóveis. Disponível em: <https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito-civil/principio-da-saisine-direito-de-sucessao-no-registro-de-imoveis/>
ALVES RODRIGO. direitodefamilia.adv, 2013. A fórmula da saisine no direito sucessório. Disponível em: <https://www.direitodefamilia.adv.br/2020/wp-content/uploads/2020/07/rodrigo-alves-da-silva-a-formula-da-saisine.pdf>
PLANALTO. planalto.gov, c2021. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm>
FREITAS RENATA. glicfas, 2018. Direito das Sucessões: você sabe o que isso significa?. Disponível em: <https://glicfas.com.br/direito-das-sucessoes/>
GABRIELE HELOISA. direito.net, 2017. A eficácia da Saisine na herança e no legado. Disponível em: <https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/10308/A-eficacia-da-Saisine-na-heranca-e-no-legado>
LEANDRO EVERTON. evertonadvprof.jus, 2011. Princípio da “saisine” não é absoluto. Disponível em: https://evertonadvprof.jusbrasil.com.br/artigos/121935632/principio-da-saisine-nao-e-absoluto>
MATIUSSI FELIPE. matiussi.jusbrasil, 2018. O princípio da Saisine e a relativização de sua extensão e aplicabilidade. Disponível em: <https://matiussi.jusbrasil.com.br/artigos/590702085/o-principio-da-saisine-e-a-relativizacao-de-sua-extensao-e-aplicabilidade>